Arquidiocese de Botucatu

É Natal: Um menino nos foi dado!

Falar do Natal do Senhor, ou seja, de seu nascimento, evoca totalmente o evento da encarnação. Note que encarnar vem do Latim incarnare, que assume o sentido de tornar-se carne, não significa um movimento de subida, mas de descida. Em Ex 3,1-9 nos é dado a conhecer esta dimensão designada a Deus. O Deus do povo hebreu é aquele “vê, ouve e desce.” Só nesta palavra temos o evento fundamental de Cristo e a revelação de uma maneira de ser de Deus: Pura kênosis.

O mesmo ato de esvaziamento (kênosis) fora tratado pelo apóstolo Paulo na carta aos Filipenses (Fl 2,5-11). Onde diz que o Cristo se esvaziou, assumiu a forma de servo, ou seja, assumiu a carne com tudo o que ela contém: sofrimento, morte e inferno. Sendo semelhante ao homem, humilhou-se, fez-se obediente até a morte de Cruz. Onde podemos constatar um outro movimento de esvaziamento. Deste modo, “aquele que diz encarnação, diz também cruz” (VON BALTHASAR. p.14. 1969). Pois os dois eventos tratam deste movimento de despojar-se de si. A encarnação nos mostra que o seu fim último é a cruz.

A vida de Jesus, em suas palavras, gestos e ações, nos mostram este caminho tão preciso: quer subir? Desça! Os Evangelhos são repletos de verbos que fazem alusão ao abaixar-se. Vejamos alguns exemplos: “Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me.” (Mt 16,24); (Mc 8,34). “Se alguém quiser ser o primeiro, seja o último de todos, o servo de todos.” (Mc 9,35). “Com efeito, o que entre vós for o menor, esse é o maior.” (Lc 9,48). Deste modo, pela própria vida do Mestre podemos encontrar a chave de leitura para o tempo do Natal do Senhor: O pequeno.

A liturgia natalina chama nossa atenção para um Deus que se faz criança, se faz pequeno. “encontrareis um recém-nascido envolto em faixas e deitado na manjedoura.” (Lc 2,12). Intrigante que a criança revela a face de uma total dependência, só consegue viver se estiver sob o cuidado de um outro. Ao mesmo tempo que denota a fragilidade. Não se alimenta por si só, não sabe defender-se etc. Este mesmo menino nasce em uma periferia de Belém. Uma destas cidades que nem sequer consta no mapa. E cresce na região de Nazaré. Região da qual ouvimos a célebre frase de Natanael: “De Nazaré pode sair algo de bom?” (Jo1,46). Esta mesma criança, crescerá e viverá uma vida em confronto com as tiranias do poder religioso e político.

Todas estas pontuações deveriam gritar em nossa consciência: É NATAL NA PERIFERIA. Não foi natal no palácio, não foi natal para as riquezas, não foi natal nos shoppings, não foi natal no comércio. E muito menos nas ilustres catedrais. Foi natal em uma manjedoura (cocho), em uma família pobre, daqueles que não tem ninguém por si (Anawin). Foi natal para os pequenos. Tudo isso é muito significativo, pois a sua baixeza é grandeza dos mais pobres.

É intrigante que este Deus que se fez pobre, pequeno, frágil, se encontra no lugar dos esquecidos. Com os crucificados. Nos que estão à margem. Isso deveria falar muito a nós sobre o verdadeiro significado do Natal.  Sobre as nossas ações horizontais para com os homens e a nossa verticalidade (vida de oração), indagando-nos: qual é o Deus que cultuamos? Lex orandi statuat legem credendi. (A norma da oração estabeleça a norma da fé) em palavras mais simples: A Igreja crê o que ela reza, celebra, ou reza o que crê. Deste modo, a encarnação e crucificação denotam pontos basilares do ser cristão. A vida prática não é desenraizada da vida orante. Ambas caminham juntas.

Torna-se comum entre o meio cristão de olhar somente por uma ótica. Como se a oração somente bastasse sem a ação. E vice e versa. Lembremo-nos do que São Tiago nos fala em sua carta: “Meus irmãos, se alguém disser que tem fé, mas não tem obras, que lhe aproveitará isso? Acaso a fé poderá salvá-lo? […] Assim também a fé, se não tiver obras, está completamente morta.” (Tg 14-17). Deste modo, o agir cristão está totalmente ligado a fé. E esta fé, deve estar enraizada na vida Jesus que se revela no pequeno. Apequenar-se é atitude de essência, pois o Cristo desce ao mais baixo da humanidade. E os escritos bíblicos não medem palavras para dizer que ele desceu a mansão dos mortos.

Mais uma vez é natal. E onde está Deus? Onde o encontrar neste Natal? Não nos esqueçamos da chave que ele mesmo nos revela de seu projeto: “O Espírito do Senhor está sobre mim, pois ele me ungiu para anunciar o Evangelho aos pobres: enviou-me para proclamar liberdade aos presos e, aos cegos, a visão; para pôr em liberdade os oprimidos e proclamar um ano do agrado do Senhor.” (Lc 4, 18-19). Se podemos dar uma dica, Deus está revestido da face do servo sofredor, daquele que não tem beleza para atrair os nossos olhos, o desprezado, o último dos homens, homem de dores que está imerso no sofrimento, no sem importância, no ferido e no humilhado. (Is53), no faminto, no que tem sede, no forasteiro, no nu, no doente, no preso (Mt 25,31-46).

Que este Natal seja um verdadeiro convite a nos humanizarmos. A sermos solidários. A viver fielmente a prática da caridade muito além de uma mera data. Que neste Natal possamos nos encarnar e fazer a mesma experiência de descida. A ponto de nos confundirmos com o ser de Jesus. Concluímos parafraseando São Leão Magno: “Um Jesus tão humano assim, só podia ser Divino.”

 

                                                                         Autores: Adilson Pedro e Richard Alisson

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