HOMILIA PARA O XXVIII DOMINGO DO TEMPO COMUM – Mt 22,1-14
O capítulo 22 do evangelho de Mateus insere-se no bloco narrativo que compreendem os capítulos 20 – 22. A seção se abre com a narrativa da entrada de Jesus em Jerusalém (21,1-11), identificado como Messias pacífico e desarmado da profecia de Zacarias, bem como reformador da vida cultual do povo, quando reivindica para o Templo o seu autêntico lugar de oração. Todavia, a cidade e suas lideranças – sumo sacerdotes, fariseus (escribas) e anciãos do povo – permanecem indiferentes à sua pessoa e à mensagem que traz consigo, tornando-se, até mesmo, hostis a Ele. Recusa, hostilidade e dureza de coração perpassam as lideranças do povo em relação à Jesus.
Mt 22 encontra-se, pois, dentro de uma série de cinco controvérsias entre Jesus e as autoridades judaicas, tanto em âmbito político como religioso: a discussão acerca da autoridade reivindicada por Jesus, diante da expulsão dos vendedores no Templo (21,23-27); a legalidade do imposto ao imperador romano (22,15-22); a ressurreição dos mortos (22,23-33); o mandamento importante (22,34-40), e finalmente, a problemática acerca da filiação davídica (ser filho de Davi, em 22,41-46). Jesus, no entanto, sai vitorioso de todas estas situações.
O evangelista Mateus pretende mostrar à sua comunidade, e às gerações posteriores dos discípulos que, à incredulidade e à recusa por parte das autoridades judaicas corresponde o Juízo de Deus, que se revela como condenação e destruição para a cidade e seus responsáveis. É o que pretende demonstrar a narrativa parabólica de Mt 22,1-14: os convidados de honra (que foram chamados primeiro, ou seja, as autoridades religiosas-políticas de Israel), que recusaram o convite da festa, são excluídos definitivamente do banquete nupcial. Tal é o contexto da narrativa. Agora, vamos ao texto!
Jesus inicia um diálogo parabólico, dirigido, mais uma vez, aos líderes do povo (sacerdotes e anciãos do povo). Ele começa comparando o Reino dos Céus a uma festa de casamento, dada por um rei a seu filho (v.1-3). Retorna, aqui, o tema do Reino dos Céus (abordado anteriormente no capítulo 13 do Evangelho de Mateus, no discurso em parábolas). Este tema deve ser muito bem assimilado: o Reino dos Céus (ou o Reinado de Deus) é Deus mesmo atuando em Jesus, que por meio dele quer estabelecer novo céu e nova terra, uma sociedade mais justa e fraterna, solidária e igualitária. Objetivamente, o Rei da parábola é Deus mesmo, e os primeiros convidados são o povo de Israel e seus líderes.
Na Sagrada Escritura, o banquete – e principalmente o banquete nupcial – tornou-se símbolo da iminente vinda do Messias. Tal concepção teve sua origem no pós-exílio. No entanto, as expectativas messiânicas já florescem nos primeiros momentos da pregação de Isaias, quando a monarquia de Judá começava dar sinais de corrupção.
O gênero das parábolas chama a atenção do leitor justamente por suas particularidades, que numa primeira leitura, podem parecer incomuns. Deve chamar a atenção o fato de que, diante do convite de um evento grandioso (a festa de casamento de um príncipe), os convidados fazem pouca conta. Ora, no tempo e na realidade de Jesus, onde os recursos para subsistência eram escassos, e constantemente havia muita carestia e, por conseguinte, o povo passava necessidade, as festas de casamento tornavam-se oportunidade para o povo se alimentar melhor, e renovar as esperanças futuras. Todavia, ao interno da parábola paira a recusa dos convidados.
O rei insistiu (v.4-7). Essa insistência do monarca revela, na verdade, a insistência mesma de Deus, que acena para a necessidade de se decidir pelo Reino dos Céus com urgência. Não é possível adiar a decisão de acolher os apelos de Deus.
Foi tudo em vão, nos relata Jesus na parábola: uma parte dos convidados foi para os campos; outra foi cuidar de seus negócios; e outra, mais hostil, responde com violência frente aos funcionários do rei. A preocupação e insistência do rei chocam-se com a despreocupação dos convidados: eles não estão nem ai! O rei irrompe, então, em fúria, e envia seu exército para derriçar com os convidados indiferentes.
Jesus diz que a festa estava preparada, e o rei ordenou, então, aos seus funcionários, que fossem pelos caminhos e pelas encruzilhadas, e que chamassem aqueles que encontrassem: bons e maus (v.8-10). A festa não deixou de acontecer em face a recusa dos primeiros convidados. Os que não esperavam, tiveram a honra de tomar parte de um banquete de alto nível.
O ensino subjacente destes versículos reside, de acordo com a lógica da parábola, na mudança de atitude de Deus, ao redirecionar o convite não mais exclusivamente aos judeus, mas a todos. Emerge, nesse sentido, a temática da salvação universal acenada pelo relato parabólico. O anúncio do Reino não é mais exclusivo à Israel, mas inclusivo, agora, aos que não fazem parte do povo. Isso é o que significa convidar Bons e Maus. A categoria dos maus simboliza, na verdade, os que não pertencem ao povo. Não se trata aqui de uma acepção moral, necessariamente.
Chamo a atenção, aqui, para um termo que foi mal traduzido. “Encruzilhada” enfraquece o termo “Diéxodos (Diexódous; gr. διεξόδους)”, que seria melhor traduzido por “saída”, “fronteira” e “periferia”. “Ide, pelas saídas (fronteiras – periferias) dos caminhos” traduz melhor a intenção de Jesus e do evangelista Mateus em dar enfoque, a partir da rejeição e auto exclusão de Israel do convite recebido, à universalidade da salvação, destinada, agora, àqueles que se encontravam às margens da sociedade daquele tempo. E de nosso tempo também!
Mas não basta ser convidado para festa. É necessário mostrar-se predisposto e com atitudes de justiça. Todavia, houve quem ousou participar da festa sem o traje festivo. O rei notou, e, imediatamente mandou expulsar o penetra (v.11-14). O traje, em toda a Sagrada Escritura (e principalmente no Apocalipse), é símbolo para as boas ações, as obras de Justiça, Amor e Misericórdia. Simboliza a Fé do indivíduo traduzida e encarnada, a partir de sua vida, em obras de misericórdia e justiça aos irmãos, principalmente aos que estão nas margens, nas fronteiras e periferias. A veste festiva corresponde à Justiça inerente ao Reino dos Céus, ou seja, ao querer / projeto de Deus sendo realizado na história, na realidade.
A comunidade de Éfeso, recordando os ensinamentos de Paulo e a pregação do Evangelho, foi a que melhor percebeu que a veste do cristão são a caridade e a Justiça, que brotam da vivência da Palavra de Deus, encarnada na vida do fiel discípulo de Jesus, em Ef 6,10-17 (famoso texto da “armadura ou veste do cristão”, que infelizmente foi tão deturpado em sua interpretação). Jesus não está falando de uma veste física, de grife (até mesmo das “grifes religiosas”), tampouco estaria ele imbuído de moralismos acerca do quê e como se vestir. O texto não permite tal abordagem.
Nem todos os que são chamados são, por isso, escolhidos. O chamado de Jesus vai, então, noutra direção. O fato de se pertencer à comunidade do Reino, não significa ter assimilado o modo de ser peculiar ao Reino. Participar da Eucaristia, ou manter uma vida espiritual (ainda que a seu modo) não implica ou garante salvação. Os que estiverem nesta situação (assim como os primeiros convidados) serão excluídos do banquete messiânico: não serão escolhidos! Ora, o chamado inicial se distingue na perseverança final e consequente salvação. Infelizmente, haverá discípulos que não experimentarão a alegria final do Reino, pela incapacidade de perseverar, até o fim, no caminho iniciado (Mt 24,13).
Quem somos diante do texto de Mt 22,1-14? Estamos nas periferias (às saídas ou nas fronteiras e limites humanos, sociais, religiosas), ou indo até elas? Temos vestido a veste das obras de misericórdia, amor e justiça, dada a cada um de nós através de nosso Batismo? Poderíamos nos considerar convidados para banquete do Reino, e sermos escolhidos para dele participar? Que possamos ver nossa vida no espelho deste texto bíblico.
Pe. João Paulo Sillio.
Paróquia Sagrada Família. Arquidiocese de Botucatu-SP