Arquidiocese de Botucatu

Liturgia Diária

HOMILIA PARA O I DOMINGO DO ADVENTO – Mc 13,33-37

O ciclo litúrgico que se inaugura na Igreja a partir deste primeiro domingo do advento abre a leitura do Evangelho segundo Marcos. Para a meditação eclesial, a liturgia propõe o texto de Mc 13,33-37, a conclusão do seu sermão escatológico. Antes, porém, de nos colocarmos no horizonte do texto é importante que compreendamos três pontos: a especificidade dos dois primeiros domingos do advento, que se inserem no primeiro ciclo deste tempo litúrgico, que se encerra em dezessete de dezembro. Em seguida, compreender o contexto amplo do capítulo treze da catequese marcana, e, por fim, o contexto imediato do texto, a fim de colher e saborear sua mensagem.

O tempo do advento divide-se em dois momentos. O primeiro, que se estende até o dia dezessete do corrente mês, apresenta a temática do advento escatológico de Jesus. Ou seja, a liturgia faz com que o fiel, através dos textos bíblicos se abra para o horizonte da segunda vinda do Senhor. Já os domingos seguintes, são marcados pela temática simbólico-sacramental, ou se preferir memorial, da primeira vinda, celebrada com o santo natal. Ora, o Advento não é a espera de Alguém que ainda deve vir, mas é uma renovação do compromisso de tornar manifesto o Cristo que já veio e permaneceu com os seus. Portanto, o papel da comunidade cristã é tornar sempre mais visível a presença do Senhor através do amor. É o tempo para se abrir os olhos e reconhecer Deus no pequenino; no último. Compreendidas as especificidades do tempo do advento, principalmente situando-nos no horizonte do advento escatológico do Senhor, que prepara, portanto, sua segunda vida, e nos convida a estar vigilantes, é que se pode avançar na compreensão do evangelho dominical.

O contexto amplo do capítulo treze da catequese marcana situa-se no sermão escatológico concentrado pelo evangelista neste capítulo. Ele é chamado “apocalipse de Marcos”. Apocalipse significa revelação. Não se trata de tragédia ou catástrofe, mas da consolação do fiel, do povo, da humanidade por Deus. Este gênero literário serve-se de um vasto campo simbólico para transmitir uma mensagem de ânimo e de esperança em tempos de crise e de desolação. Na realidade, a literatura apocalíptica é essencialmente uma literatura de resistência, e a promessa de uma mudança radical para breve alimenta a força de resistência para a comunidade.

Importante consideração: o gênero literário apocalíptico não é uma futurologia, mas leituras da História, que está nas mãos de Deus em última análise. Fala do sofrimento do tempo presente, mas anunciam a intervenção decisiva de Deus, mantendo assim no povo oprimido a esperança, a vigilância e a firmeza. É este também o objetivo do discurso de Mc 13.

O texto que abre o tempo do advento situa-se na conclusão deste sermão escatológico. Imediatamente após estes ditos de Jesus (13,33-37), segue-se a narrativa de sua Paixão, Morte e ressurreição, segundo Marcos. Ora, os momentos finais da vida Jesus mostram o desfecho histórico de sua primeira vinda. Mas o mistério da Ressurreição abre a expectativa para a segunda vinda, a parusia – a plenitude do tempo novo inaugurado pelo anúncio do Reino proclamado por Jesus. Todavia, na incerteza do tempo, do momento em relação a esta volta do Senhor. Certo é, sem dúvida, o acontecimento. Incerto é o “quando”. Diante desta tensão, caberá ao discípulo acolher o convite de Jesus à vigilância.

Duas são as formas de ler o texto de hoje, unindo-as num mesmo horizonte; de acordo com o horizonte do texto, ao interno da narrativa de Marcos, o discípulo deverá tirar as pistas para superar o momento da tribulação pela qual passará o mestre, e saber se comportar diante dos eventos de sua paixão, morte e ressurreição; e a segunda forma é a da assimilação deste convite à vigilância frente a demora e da espera paciente da segunda vinda. A constante vigilância do cristão é toda ela um programa de ação.

Mc 13 ensina a vigilância com vistas à nova vinda de Jesus, que quer encontrar os seus ocupados com as coisas do Reino, sobretudo a caridade fraterna.

Ao interno do texto, Jesus está com seus quatro mais próximos, Pedro, André, Tiago e João, sobre o monte das Oliveiras, olhando para Jerusalém e o templo. Nas narrativas anteriores, Jesus fez ver aos discípulos a oferta da pobre viúva no Templo; eles também se maravilhavam com os ornamentos do recinto. Fora dele, podem ver e contemplá-lo, uma vez que não sobrará pedra sobre pedra, conforme dissera anteriormente. Com esse panorama, os discípulos se inquietam e perguntam a Jesus “quando será?” “Qual o sinal de que tudo isso vai acontecer?”  Agora podemos adentrar no horizonte do texto e meditarmos sobre esta atitude.

Dos vv.33-36, Jesus fala novamente em parábolas. Emergem, aqui, imagens que a comunidade cristã primitiva tinha acerca da parusia inaugurada pela ressurreição de Jesus. Os primeiros cristãos comparavam a ressurreição do Senhor a uma viagem para receber a glória de Deus Pai e seu retorno como a completude do Reino que ele inaugurou, com o ajuste final para todos de acordo com suas obras.

Alguns elementos da parábola merecem destaque. A figura do porteiro e dos servos refletem a imagem das comunidades cristãs às quais o evangelista Marcos escreve, mas também são símbolos dos discípulos que acompanham a Jesus no curso de sua vida pública. É o que o catequista bíblico pretende dizer, ao recuperar o dito do Senhor: “o que vos digo, digo a todos” (v.37a). Encarrega ao porteiro de vigiar, o que talvez represente a imagem dos líderes. O porteiro e os servos (incumbidos cada qual de seus afazeres) devem vigiar, pois não sabem quando virá o senhor da casa. Senhor da casa pode ter o sentido cotidiano de pai de família, dono, proprietário. A casa lembra, em Mc, a comunidade dos discípulos. Logo, o Senhor da casa alude ao próprio Jesus. De ambos se exige a mesma atitude: vigilância.

O termo vigilância aprece só nesta perícope por três vezes, juntamente com um sinônimo do verbo vigiar, “ficai atentos”. A exortação inicial “Cuidado! Ficai atentos” (gr. βλέπετε ἀγρυπνεῖτε / Blépete agrypneîte) é carregada de sentido. O verbo βλέπω (Blepo/Blépen) significa “ver”. Ele indica a capacidade do discernimento, da percepção; o termo ἀγρυπνέω (agrypnéo) significa ficar atento, estar acordado. Durante a narrativa os termos vão variando entre “Cuidado! Ficai atentos” (βλέπετε ἀγρυπνεῖτε), “vigiai, portanto” (γρηγορεῖτε οuν), e, vigiai (γρηγορεῖτε).

A vigilância bíblica não significa “não dormir”, “não cair (ou pegar) no sono”; também não é uma espera passiva. Pelo contrário. A vigilância é uma espera atuante, operativa. É a espera que se vive na atitude. É a capacidade de sempre estar de prontidão. Pois não se sabe a hora noturna em que o Senhor virá. Esta exortação de Jesus pode ser lida na realidade da primeira geração dos discípulos, que mesmo após a ressurreição esperavam a volta iminente – para já – do Senhor; como pode ser lida como uma exortação para as gerações seguintes dada a demora do retorno de Jesus, a parusia. Esta exortação (ordem – convite) de Jesus à vigilância serve de antidoto contra a tentação de ficar dormindo.

Jesus e Marcos se servem da imagem do sono (dormir) para ilustrar a condição do discípulo que não está respondendo ao projeto de Deus através de uma vida empenhada e frutificada nas boas obras, no serviço e no amor fraterno, que constituem a espera ativa e sempre pronta que é a vigilância. Devido ao “atraso” da volta do Senhor, as comunidades ficavam tentadas a abandonar tudo, a esfriar na vida Fé – na relação com Deus e no trato fraterno com os outros. Ainda, pensamentos e atitudes da seguinte ordem também eram perceptíveis ao interno das comunidades: bastava ter aderido à fé e viver descomprometido com a realidade, ou mesmo, como se não houvesse mais nada a fazer. Este é o sono, a dormência, que a comunidade dos discípulos de todos os tempos deve combater e evitar através do dinamismo da vigilância.  Quer diante da demora ou da iminência do acontecimento, cada momento é “o hoje de Deus”. Não devemos nos empenhar somente em vista de um fim próximo; devemos nos empenhar como se o Fim estivesse chegando sempre. O discípulo é chamado à “abrir os olhos” e não esperar que outros resolvam os problemas para si; ou mesmo realizem aquilo que cada um tem a capacidade de fazer. A comunidade é esta casa de servos, onde cada um deve realizar aquilo que recebeu para fazer, enquanto espera a vinda do dono.

O Fim ao qual queremos aludir é o próprio Senhor. E não ao fim enquanto término. Mas enquanto termo, completude, plenitude. Jesus é o Fim, a ultimidade, a plenitude para a qual tudo e todos se encaminham. O Fim, nesse sentido, é Jesus vindo sempre e a todo instante para cada um de nós. Com o advento do Cristo, O Fim, delimita-se o fim da história de injustiças, opressão e luta. Assim, é o fim deste mundo. Todavia, o “Fim” não se identifica com o fim da humanidade, mas sim com a instauração da comunhão definitiva entre a humanidade e sua história com Deus: o novo mundo, o novo céu e a nova terra, o reinado de Deus.

São tempos difíceis e de incerteza que todos e cada um vivemos; tempos estes em que foram nos tiradas todas as programações e certezas. Mas ainda nos resta a Esperança, que se enquadra neste horizonte da vigilância. Como nos encontramos ao final/recomeço deste tempo sempre novo? Vigilantes ou no perigo da sonolência, ou mesmo dormindo?

Pe. João Paulo Sillio.

Paróquia Sagrada Família/Arquidiocese de Botucatu-SP

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