Finalmente, o Sr. Orlando Lemes de Camargo – nosso querido pai – depois de quase um mês no hospital e quase quinze anos de Alzheimer, teve alta, do hospital e desta vida, para o alto da Glória de Deus-Pai. De pai ferroviário, ele nasceu em Caiuá-SP aos 29 de setembro de 1931, quando a Sorocabana […] Finalmente, o Sr. Orlando Lemes de Camargo – nosso querido pai – depois de quase um mês no hospital e quase quinze anos de Alzheimer, teve alta, do hospital e desta vida, para o alto da Glória de Deus-Pai. De pai ferroviário, ele nasceu em Caiuá-SP aos 29 de setembro de 1931, quando a Sorocabana […]

Arquidiocese de Botucatu

A Voz do Pastor › 12/12/2014

Até logo, pai! Nos vemos no céu.

Finalmente, o Sr. Orlando Lemes de Camargo – nosso querido pai – depois de quase um mês no hospital e quase quinze anos de Alzheimer, teve alta, do hospital e desta vida, para o alto da Glória de Deus-Pai.

De pai ferroviário, ele nasceu em Caiuá-SP aos 29 de setembro de 1931, quando a Sorocabana chegava à sua reta final.

Santo pelo batismo-crisma-eucaristia e pela intensa e profunda vivência dos mistérios da fé, desde solteiro foi congregado mariano; chegou a ser presidente da Federação dos Congregados Marianos da diocese de Presidente Prudente no tempo de Dom José de Aquino Pereira. Foi Ministro Extraordinário da Comunhão Eucarística, membro do Encontro de Casais com Cristo e da pastoral dos noivos na Catedral de São Sebastião. Por fim, já residindo na zona rural de Pres. Prudente, foi catequista de crisma e coordenador da pequena comunidade do bairro do Romeu, junto com a esposa, Maria Grotto de Camargo, minha querida mãe.

mae dom

Santo na fidelidade ao matrimônio e no amor à esposa, filhos e netos, foi pai (avô) carinhoso, paciente, amigo e sempre presente; sabia perfeitamente conjugar rigor e ternura na educação dos filhos. Ele era coerente, perfeccionista, sistemático, disciplinado e disciplinador; ao mesmo tempo, transbordava em generosidade, afetuosidade, alegria e serenidade. Vivíamos na casa de meus avós maternos – sogro e sogra do Sr. Orlando. Hoje, olhando para trás e repassando muitas e gratas lembranças, causa-me grande admiração perceber como ele respeitava e convivia bem com os sogros. Não me vem à memória um só desentendimento, mesmo que insignificante.

Santo na capacidade de reconhecer seus erros e pecados, participava frequentemente do sacramento da reconciliação.

Santo em toda sua vida profissional, ainda criança, ajudava seu pai Benedito a transportar as verduras a serem vendidas na feira. Depois foi entregador de jornais e carteiro. Estudou contabilidade e chegou a ter seu próprio escritório. Por fim, tendo sido aprovado em concurso público, tornou-se servidor da Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo. Lembro-me perfeitamente e com grande saudade dos diálogos sempre profundos e interessantes que travávamos no tempo em que ele cursava direito na Faculdade Toledo de Ensino, enquanto eu fazia filosofia no seminário. Despertou em mim o desejo de também estudar direito – sonho nunca realizado. Marcou-me a alma vê-lo sempre preocupado com os acontecimentos do mundo, do país e, sobretudo, da Igreja Católica. Ele lia muito. Basta dizer que adquiriu e estudou as Atas Completas do Segundo Concílio do Vaticano. Escrevia com propriedade e facilidade. Possuía uma rara capacidade de interpretar os textos da Sagrada Escritura e suas conclusões sempre surpreendiam pela beleza e profundidade. As pessoas que tiveram oportunidade de tê-lo como companheiro de trabalho dão testemunho de sua lealdade, retidão, sabedoria, espírito de sacrifício, bom humor, coerência, solidariedade, amor à verdade e fidelidade ao bem comum.

Outra de suas características era a capacidade de observação, com apurada sensibilidade. Encantava-se facilmente com as crianças, os pobres, os enfermos… com as flores, os pássaros, o sol e as nuvens, a chuva… com a música e os instrumentos musicais… até mesmo com pequeninas pedras, não necessariamente preciosas.

Um capítulo particularmente especial de sua – nossa – história, sem sombra de dúvida, foi o falecimento do Minguinho – penúltimo filho – então com dezesseis anos de vida. Era uma segunda-feira, depois do domingo – dia dos pais –, 13 de agosto de 1979. O Minguinho havia ido estudar, depois do almoço, na casa de seu melhor e mais próximo amigo. Ao manusear uma arma encontrada numa gaveta, seu melhor amigo, sem querer, a fez disparar. O tiro acertou bem o coração do Minguinho. Era costume deles alternar as tardes de estudos, de tal forma que determinados dias o amigo do Minguinho é que vinha estudar em casa.

estudar em casa

Minguinho é o primeiro da direita para esquerda

 

Ambos conheciam os pais e respectivas famílias, mas as famílias, até então, não tinham qualquer relacionamento. Tarde da noite, reunidos todos (pai, mãe e os cinco filhos) em volta da mesa da cozinha e enquanto esperávamos a liberação do corpo para iniciar o velório, a voz suave e firme do Sr. Orlando rompeu o triste silêncio que amargávamos, com as seguintes palavras: “Graças a Deus que não foi o contrário!”. Ninguém entendeu de imediato. Ele quisera dizer: “Ainda bem que não foi o filho deles que morreu aqui em casa!” Precisamos nos esforçar bastante para penetrar na alma e na grandeza da sensibilidade de nosso pai. Por um lado, ele já estava se colocando no lugar daquela outra família: o melhor amigo do Minguinho e seus pais. Ele já estava pensando na angústia, na tristeza e no medo que eles deviam estar experimentando e no terrível sofrimento opressor do sentimento de culpa. Por outro, o Sr. Orlando estava nos preparando e nos convidando a uma atitude de serenidade, amor e misericórdia, preocupado que não nos deixássemos dominar por pensamentos errôneos, julgamentos precipitados e sentimentos ruins. As duas famílias se conheceram plenamente durante o velório. De lá para cá, surgiu uma amizade verdadeira entre seus membros, a qual continua a crescer e se aprofundar ainda hoje.

Ainda hoje

Em cima à esquerda minhas irmãs Rosana e Heloísa

Em cima à direita meu irmão Minguinho – No centro nossos pais

No centro à direita Márcia nossa irmã adotiva

Em baixo à esquerda meu irmão caçula Ricardo

Em baixo à direita meu irmão Claudio e eu

 

Assim, em fatos concretos da vida, nem sempre tão sofridos como este, nossos pais, Orlando e Maria, com um testemunho vivo e verdadeiro, forjaram a fé, o caráter e a personalidade de seus filhos.

Dentre as manifestações de solidariedade dos irmãos e irmãs que recebi estes dias, uma amiga muito especial enviou-me estas palavras de Santo Agostinho que caem muito bem na boca de meu querido pai:

 

“A morte não é nada. Eu somente passei para o outro lado do Caminho.

Eu sou eu, vocês são vocês.

O que eu era para vocês, eu continuarei sendo.

Dêem-me o nome que vocês sempre me deram, falem comigo como vocês sempre fizeram.

Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador.

Não utilizem um tom solene ou triste, continuem a rir daquilo que nos fazia rir juntos.

Rezem, sorriam, pensem em mim. Rezem por mim. Que meu nome seja pronunciado como sempre foi, sem ênfase de nenhum tipo. Sem nenhum traço de sombra ou tristeza.

A vida significa tudo o que ela sempre significou, o fio não foi cortado. Por quê eu estaria fora de seus pensamentos, agora que estou apenas fora de suas vistas?

Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do Caminho…

Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua linda e bela como sempre foi.”

 

Aproveito a oportunidade para manifestar minha eterna gratidão por todos os irmãos e irmãs, parentes e amigos que se solidarizaram comigo e minha família neste solene momento de dor e alegria, de morte e ressurreição.

 

Botucatu, 12 de dezembro de 2014

 

Dom Maurício Grotto de Camargo

Arcebispo de Botucatu

1 Comentário para “Até logo, pai! Nos vemos no céu.”

  1. Ana Paula Malavazi disse:

    Dom Maurício,

    Meu abraço fraterno!
    Pelo pouco que o conheço pessoalmente, sou de Macatuba, deu para sentir tudo o que o senhor expressou nestas palavras para seu pai e sobre seu pai!
    Percebe-se sua postura quanto à família que lhe foi dada por Deus!

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