Arquidiocese de Botucatu

Reflexão para o XXV Domingo do Tempo Comum – Mt 20,1-16

O evangelho significa Boa Notícia. A boa notícia de que o Pai de Jesus não é o Deus da religiosidade antiga. Este, retribui a cada um segundo seus méritos; premia os bons e castiga os malvados. Jesus apresenta um Deus totalmente distinto: fala de um pai bondoso que faz brilhar sobre maus e bons o mesmo sol; faz chover sobre justos e injustos. E isso, não porque possam merecer, mas porque possuem alguma necessidade. Tal atitude do Deus apresentado por Jesus parece não ter sido aceita pelos discípulos que o seguiam e, ainda, mais aos fariseus e escribas. Então, é para estes que ele dirige a parábola contida no evangelho deste domingo, Mt 20, 1-16.

O contexto próximo do texto situa-se na seção da subida de Jesus para Jerusalém, no Evangelho segundo Mateus. Encerra-se a missão na Galileia. Na cidade santa, a sua pregação passará pelo filtro do juízo dos homens e a fé dos discípulos será posta em xeque. Uma opção deverá ser feita: aceitação ou recusa do Messias Jesus e do Deus que ele chama de Pai. Os capítulos 19-23 narram essa longa viagem, durante a qual os discípulos são instruídos na sabedoria e pedagogia do Reino, contemplando as ações e as palavras do Mestre e pondo-se a refletir sobre elas.

O contexto imediato, corresponde ao capítulo vinte da catequese de Mateus. O qual inicia-se com uma parábola de Jesus direcionada ao grupo dos discípulos. As parábolas são recursos pedagógicos de ensino dos rabinos da época de Jesus. Elas pertencem ao gênero literário sapiencial dos meshalim. A parábola (hbr. Mashal), serve-se de elementos conhecidos da realidade com a finalidade de transmitir um ensinamento. Por isso, ela se ocupa de três funções: 1) chamar a atenção do leitor-ouvinte (o discípulo); 2) provocar os ouvintes, a partir de elementos ou situações exuberantes (ou exageradas, no bom termo da palavra), e, 3) levar a audiência à mudar a atitude. Jesus nota que que existe algo muito importante a ser trabalhado nos discípulos: a imagem que possuem de Deus e modo de se relacionar com ele.

A parábola narrada no evangelho dominical serve-se de imagens conhecidas das pessoas do tempo de Jesus, bem como absorve elementos da tradição religiosa de Israel. A vinha, por exemplo, serve de imagem comparativa para o povo de Israel (Is 5,1-7; Jr 2,21; Ez 15,1-8; Os 10,1; SI 80[79]). Mais a diante, esta imagem retornará noutra parábola (mais forte ainda, a dos vinhateiros maus, em Mt 21,33-46). A vinha, por assim dizer, é o campo histórico da atuação de Deus.

Mas a parábola dos trabalhadores, contida no início do capítulo vinte, se liga à cena anterior, o diálogo-ensinamento de Jesus aos discípulos. Ao final da narrativa do jovem rico (Mt 19,16-30), Pedro, em nome dos doze, questiona Jesus acerca da recompensa que o discípulo, que deixou tudo pelo Reino, ganharia: “Eis que deixamos tudo e te seguimos. O que receberemos?” (Mt 19,27). Com a parábola a seguir, Jesus retoma o tema da recompensa dos discípulos. E ensina que a recompensa merecida, nada se identifica com as ações realizadas por alguém, e sim com a misericórdia desconcertante do Pai dos céus. Agora podemos vislumbrar o horizonte do texto.

Dos vv.1-7, Jesus ilustra aos discípulos as ações de um certo dono de vinha. Ele sai contratar trabalhadores para sua vinha, de manhã, bem cedo. Indo novamente às nove da manhã, ao meio-dia, às três, e, por fim, às cinco da tarde. Com os primeiros, combinou uma moeda de prata (gr. denárion), o equivalente a uma jornada inteira de trabalho, a qual começava às seis da manhã, terminando seis da tarde. Com os demais, ele combina “aquilo que for justo” pagar.

Algumas coisas devem chamar a atenção do leitor-ouvinte. A atitude do dono da vinha: é ele quem sai em busca dos trabalhadores, quando, na verdade, os feitores seriam encarregados disso. Essa atitude mostra a urgência que o dono tem. Em que consiste tal urgência? Satisfazer vontades próprias? Enriquecer? Não. Ele pensa nas necessidades dos outros. Se ele estivesse pensando nas necessidades próprias, bastariam os que foram chamados na primeira hora. Parece espantoso um proprietário que pense primeiro nos outros, que em suas necessidades. É o que Jesus quer demonstrar através da atitude do patrão que sai, novamente, às nove, ao meio-dia, às três e, por fim, às cinco: ele não pensa em seus ganhos, mas naqueles que não tem trabalho. Na realidade do tempo de Jesus, quem não tivesse trabalho, não teria chance de comer, de se sustentar e à sua família. Os que estavam nas praças desocupados não estavam ali porque queriam, mas porque não encontravam trabalho. A falta de emprego não significa preguiça! É sinal de uma realidade e contexto históricos injustos.

O patrão sai, última vez, às cinco. O leitor, aqui, já deve estar surpreso. Ele conhece o ambiente e o costume; sabe que é o último horário antes do sol se pôr, para iniciar a vigília do dia seguinte. Mas também a estes trabalhadores da última hora o patrão os chama. É mais uma forma de Jesus e de Mateus enfatizarem que a atitude do patrão não é pautada por suas próprias necessidades ou ganancias, mas está toda ela orientada para o bem-estar do outro.

Dos vv. 8-10, Jesus narra o acerto de contas, ao final da diária. O patrão (lit. O Senhor / gr. Kyrios, o que dá a entender que Jesus e Mateus identificam o dono à Deus), manda o chefe de pessoal chamar primeiro os últimos, conforme está escrito em Dt 24,15, onde se ordena pagar ao operário, no final do dia o equivalente a uma jornada de trabalho, antes do pôr-do-sol para que não passem necessidade. Chama-nos a atenção a postura dos trabalhadores da primeira hora, os quais murmuram contra o fato do patrão ter pagado a mesma quantia aos que chegaram por último. É logico – dentro dos esquemas humanos – pensar que os que trabalharam desde o primeiro momento, devessem ser mais bem recompensados. A generosidade e a solidariedade do patrão os deixavam desconcertados e estupefatos. Não esperavam tal coisa. Começam a protestar contra a injustiça do patrão.

Os vv.11-12 mostram a murmuração dos primeiros trabalhadores. Eles não aceitam a atitude do patrão. Murmurar é agir contra o projeto de Deus. Mas aqui no horizonte do texto ela representa o protesto dos privilegiados, contra a gratuidade / Graça outorgada aos que não tem nada.

A resposta do patrão soa corretiva e visa abrir lhes os olhos: “Amigo, eu não fui injusto contigo. Não combinamos uma moeda de prata? Toma o que é teu e volta para casa! Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti. Por acaso não tenho o direito de fazer o que quero com aquilo que me pertence? Ou estás com inveja, porque estou sendo bom?” (vv.13-15). Por três vezes, na catequese mateana, Jesus usa o vocativo “amigo”. Em todas elas, o termo é usado para mostrar que a pessoa está errada e precisa ser corrigida.

Na resposta do chefe da família, “Eu quero dar a este que foi contratado por último o mesmo que dei a ti” (v.14), Jesus enfoca o sentido da parábola. Ilustrar o agir de Deus em relação ao ser humano que ainda não foi alcançado pelo projeto de Deus, pela dinâmica do Reino. Este projeto não é para poucos, alguns ou privilegiados, mas para todos, indistintamente. A parábola se serve da realidade do trabalho agrário da época para desenhar o proceder de Deus em relação aos que estão dando o passo na fé e na salvação até mesmo na última hora da história humana. Diante desta realidade, o discípulo veterano deve tirar o olho mal de si, “estás com inveja, porque estou sendo bom?”. Inveja é a tradução para expressão contida no original grego “olho mal”.

Eis a novidade que Jesus transmite através desta parábola: Deus não trata o ser humano segundo seus méritos, religiosidade, assiduidade ou conduta do cristão de bem; mas o trata segundo Sua gratuidade e generosidade, levando em conta a necessidade daqueles. Não pelo mérito, mas pela necessidade. Necessidade de ter junto de si todos aqueles que ainda não foram alcançados pelo projeto do Reino, aberto a todos até na última hora da história humana e particular.

Ao terminar a parábola, Jesus faz uma consideração importante acerca do modo de agir de Deus: “Assim, os últimos serão os primeiros, e os primeiros serão os últimos” (v.16). O modo de pensar e de agir de Deus é muito diferente do pensar e agir dos homens. Ele inverte os esquemas humanos. Estamos diante do tema da inversão escatológica realizada por Deus através de Jesus. Que é a reviravolta radical que Deus opera na história reinserindo últimos – pecadores, excluídos, marginalizados – no seu horizonte salvífico.

O discípulo do Reino é desafiado a se inspirar em Deus (Mt 5,48). Esta parábola pode ter sido dirigida tanto aos fariseus incapazes de imaginar que seriam recompensados por Deus como os recém-convertidos, quanto para os líderes da comunidade cristã que se sentiam superiores e mais dignos de recompensa do que os convertidos recentemente à fé. Tanto para o fariseu, quanto para o discípulo (cronologicamente veterano no projeto do Reino) não há nenhum privilégio em relação a quem aderiu recentemente à Fé em Jesus ao Reino. Isso vale para o discípulo e para a comunidade que se identifica como cristã.

Quem somos no horizonte deste evangelho? Em qual horário da nossa vida fomos chamados por Deus? Em que horário do discipulado estamos? Quais atitudes existem em nós, que não corresponde ao proceder de Deus diante dos últimos? Peçamos a Graça de um olhar sadio em relação ao irmão, tornando-nos capazes do acolhimento, da promoção da vida e da dignidade do irmão; e que nossas comunidades sejam espaço de vida e de acolhimento especialmente para os trabalhadores da última hora. Porque jamais podemos nos esquecer que talvez estejamos entre eles também.

Pe. João Paulo Sillio
Paróquia Sagrada Família / Arquidiocese de Botucatu – SP.

Fonte: PasCom

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